A criança dos sonhos

É hoje, no dia 4 de maio, em que comemoramos o ‘Alice Day’. Porque foi há exatos 150 anos que Alice avistou e seguiu o Coelho Branco, dando inicio ao que seria sua aventura pelo País das Maravilhas. Nós sabemos que era esse o dia porque Alice é questionada durante o chá com o Chapeleiro, a Lebre de Março e o Leirão. No segundo livro, a data volta a ser aludida, quando Alice diz que tem exatamente sete anos e meio de idade, levando a crer que a viagem através do espelho se passa no dia 4 de novembro.

Nada nas Alices, de Lewis Carroll, é por acaso, então faz muito sentido perguntar: por que 4 de maio?

Bem, esse é o único dia do ano em que não comemoramos o desaniversário de Alice Liddell, a Alice de verdade. Ela era uma das filhas do reitor da universidade em que Lewis Carroll dava aulas e serviu de inspiração para a personagem dos livros. Nascida em 4 de maio de 1852, Alice Liddell carregou durante toda a sua vida o peso de seu alter-ego. Aos oitenta e um anos de idade – viúva e atendendo pelo nome de Sra. Hargreaves -, ela disse ao filho mais novo que estava cansada de ser ‘Alice no País das Maravilhas’.

Completamente compreensível, no meu ponto de vista. Desde a publicação dos livros de Lewis Carroll, ela nunca mais foi outra coisa. Além da perda da identidade, também precisou lidar com a sua privacidade sendo invadida, pesquisada e documentada por estudiosos e fãs. Não tinha como escapar, os sobrenomes Pleasance Liddell (solteira) e Hargreaves (casada) se tornam irrelevantes quanto escritos depois do nome que acabou virando um ícone cultural. Até mesmo em seu túmulo foi escrito que ali está ‘Alice de Lewis Carroll’.

Mas por que Alice Liddell? O que ela tinha de tão especial para inspirar a criação de uma das personagens mais importantes da literatura ocidental? Muitas pessoas que a conheceram disseram que Alice era uma criança muito inteligente e curiosa, características marcantes da personagem que conhecemos, mas a melhor ‘explicação’ do porquê de não poder ser nenhuma outra, além de Alice Liddell, a ‘verdade Alice’, não poderia vir de uma fonte mais confiável que o próprio Lewis Carroll:

Quem é você, Alice dos sonhos, nos olhos de teu pai adotivo? Como ele te retratará? Amorosa, primeiro, amorosa e gentil; amorosa como um cachorro (perdoe minha comparação prosaica, mas eu não conheço nenhum amor tão puro e perfeito quanto esse), e gentil como uma corça; depois cortês – cortês para com todos, ricos ou pobres, bonitos ou grotescos, Rei ou lagarta, mesmo que ela mesma fosse a filha de um Rei, e suas roupas valessem ouro. E então cheia de confiança, pronta para aceitar a impossibilidade mais maluca com toda a confiança que só os sonhadores conhecem; e por fim, curiosa – desvairadamente curiosa, e com uma vontade de aproveitar a Vida que só existe nas horas felizes da infância, quanto tudo é novo e justo, e Pecado e Sofrimento são só nomes – palavras vazias que nada significam! (Lewis Carroll)

Feliz aniversário, Alice Liddell! Você vai para sempre permanecer na memória de todos nós como essa menina incrivelmente especial (ainda que você tenha se cansado disso no fim da sua vida!).

E que 4 de maio seja um dia em que lembremos que, por mais que a vida tente manter nossos pés sempre colados ao chão, às vezes é bom pular tento como guia apenas a mais pura curiosidade e um coelho atrasado.

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